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quarta-feira, 6 de março de 2013

A Despensa, coisa de velho.

"Véiooooo, a despensa tá vazia!"



Era assim que minha nona notificava meu avô que era hora de ir ao mercado.
Mas aquela despensa nunca ficava vazia, hora de "fazer compra" era quando ao invés de 12 latas de óleo ela tinha 10.

Tenho muito parente idoso, minha mãe e meu pai não eram os filhos mais velhos, idem com minha esposa, logo, nossa família esta muito acima de minha faixa de idade. Um bom tanto deles ja morreu, e este é o preço dos 40 anos de idade.



Me Recordo de suas casas, quase todas tinham aquele quartinho ao lado da cozinha recheado de utensílios e comida. Lá na vó me lembro dos sacos de farinha, das latas e dos cheiros do lugar. Não era cheiro de mercado era cheiro de mercearia, daquelas pequenas onde os alhos e cebolas ficavam pendurados em réstias nas tábuas, ainda vejo as grandes panelas nas prateleiras superiores, usadas pra fazer a comida do domingo quando a casa estava cheia.



Talvez, ainda existam jovens que possam ter a experiência de conviver com os velhos que atravessaram fazes para alguns impensáveis. Tem gente viva que cresceu sem geladeira numa época que energia elétrica e gás era luxo. Acho que não estarei exagerando se disser que ainda tem gente que viva assim.

Este é um blog de preparação e sobrevivencialismo, e estudar e relembrar a vida em cenários menos tecnológicos creio eu, embora não seja um regresso desejável pode vir a ser útil para garantir algum conforto e arrisco até uma vivência menos impactante durante uma crise.



Bem sei que não são todos os meus leitores que conseguirão por em prática as tecnicas descritas, mas, pensando em futuro talvez sim. Note, muitos podem estar comprando sua primeira casa, ou ter um sitio ou chácara, talvez até um imóvel de herança? Tanto faz, cabe a cada um de nós o empenho na estruturação física de nossos recursos de sobrevivência e preparação.

A boa e velha despensa de nossos avós é um pequeno cômodo repleto de vantagens que vou listar abaixo embora, para ele caiba perfeitamente a regra de não se colocar todos os ovos em só uma cesta.

1- A primeira grande vantagem vem do espaço físico em sí, preparações precisam ser guardadas em algum lugar e nem todas se prezam a serem enterradas no quintal. Alguns itens exigirão controles de prazos de validade e até de suas embalagens que podem ser atacadas por predadores, traças, baratas e até ratos. Com as prateleiras das despensas, você poderá colocar itens com prazo de validade na frente e os novos e recém comprados atrás.



2- Um porão é bem mais difícil de se fazer em uma obra nova, já um quartinho é mais viável, embora não seja regra, me lembro de todos eles terem portas e janelas internas, nada virado ou com acesso externo, isso garante uma certa segurança. O interior da casa é muito mais controlado e limpo geralmente, e o fato de estar ao lado da cozinha ajuda mais ainda.

3- Já naquela época havia pelo menos um armário, e nele ficavam separados e fechados os produtos de limpeza. Isso é um erro brutal. Tente se possível separa-los inclusive de ambiente físico. Um quarto de alimentos deixar produto de limpeza pode ser fatal, as crianças podem não entender a diferença e serem enganadas, isso vale também para quem reaproveita garrafas PET para armazenar óleo usado etc. A questão das PET ficam ainda mais agravadas neste sentido se você usa-las para grãos e outros, os pequenos entenderão que tudo ali pode ir na boca e comer.



4- As louças, nada se perde, tudo se guarda. Um garfo velho e riscado ou aquele faqueiro de mal gosto que você ganhou de presente de casamento. Os copos de geleia e requeijão são clássicos. Pratos idem, todos tem aquele tantinho reserva para quando tem visita demais pro almoço. Aqui geralmente mora aquele filtro de barro, os moedores e raladores, rolo de macarrão. Utensílios que não são usados no dia a dia da casa.

5- Este pequeno ambiente também é ótimo pra se guardar vinhos e garrafas em geral. Na casa de um de meus tios creio haver uma lata de cerveja pra cada grão de arroz. O homem compra todo mês uns 5 fardos que consome fácil, porém o estoque é bem maior. Faz sentido. A despensa tende a ser bem fresca se for interna.



A humanidade está tão dependente de sua tecnologia que este conceito nem consta mais nos novos projetos de arquitetura, a não ser que seja retrô ou rural. Muita gente vê a despensa como coisa de casa de fazenda ou de velho e a muito se vê que as pessoas preferem um escritório para navegar na internet ou closet pra entulhar sapatos do que um local para guardar comida.
Vou além, a tendência geral estética é cada vez diminuir mais os espaços, com conceitos minimalistas de decoração onde pacotes de arroz e embalagens abertas de feijão não fazem um papel muito bonito no quadro. As grandes redes vendem armários cada vez menores, óbvio, os apartamentos e novos imóveis não comportam mais as grandes e antigas paneleiras, não obstante, plásticos e chapas de lata estão mais finas, delicadas e frágeis, sendo considerado rústico o que fuja desta regra.
Não é a toa a fé de muitos que o alimento não irá faltar. O sistema como um todo, até no quesito mobilia incentiva isso. Se fosse para guardar a loja vendia armário maior pô.



 Moro no interior, e aqui as despensas são bem comuns, não porque todos tem a tão desejada consciência sobrevivencialista, muito pelo contrário, cidades pequenas não tem mercados 24 hs e o povo é muito amigo. Isso também acontecia no passado quando "fazer compra" não era tão facil. Todos sabíamos que a vó tinha sempre um óleo, uma farinha e até aquele saquinho de feijão reserva, e quando faltava em casa íamos lá emprestar. Ela por sua vez, velha matrona italiana, sentia-se ainda a provedora dos filhos marmanjos neste pequeno ato de preparação que se estendia ao seu pequeno canteiro com cházinhos.

Eu tenho uma despensa, e é grande. Sei hoje o que minha nona queria dizer quando impunha ao impiastro do velho ir comprar no mercado. Ela entrava no quartinho e não suportava ver a parede no fundo, 10 garrafinhas de óleo em uma grande prateleira não é nada, 2 pacotinhos de sal também não.

Sinto saudades do lugar, do cheiro. Me lembro do rolo de carne seca ( "do norte") que iam cortando em lascas finas, Bacon e os salames pendurados, vejo nítido o queijo secando "pra ralar no macarron"... duro de doer a gengiva e os garrafões de vinho meio doce ao lado das garrafas de bagaceira e o tonel de pinga de Sorocaba que tanto sucesso fazia entre os velhos. Hoje penso em sobrevivencialismo e no tanto de coisas que os velhos podem ensinar, infelizmente os meus se foram e o que guardo é memória.



 Meus filhos nunca verão o que vi, não com a mesma intensidade do dia a dia, talvez daqui uns anos até duvide dos museus e livros de história imaginando que nunca houve vida sem telefones e internet. Pai sobrevivencialista faço minha parte, vou ensinar a eles como aprendi e eles que decidam se aplicam ou não em suas vidas.

4 comentários:

  1. Maravilhoso seu texto. Fiz uma viagem a minha infancia imediatamente enquanto lia.era na casa de minhas amigas. Cheiro da farinha (que comíamos escondidas lá dentro) o peixe salgado, pendurados em ganchos. Tudo isso misturado com o cheiro do fogão de lenha que ficava na cozinha. Nunca mais esqueço daquele "perfume" tão maravilhoso.
    Seu texto foi um presente pra mim hoje.
    Obrigado!

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  2. Cara, fiquei emocionado, lembrei também das visitas a casa dos avós, e da fazenda dos meus primos mais velhos, lembrei de como é bom os velhos habitos que perdemos para dar lugar a "Praticidade" fico feliz por alguém repassar isso a nova geração, de certo passarei aos meus quando eles chegarem, mas espero mesmo nunca precisar que saibamos o real significado de ter uma despensa!

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  3. É Batata, moro no interior tb e tenho dispensa em casa, q tá mais pra cantinho da bagunça, depois de ler seu texto, vou arrumar ele e colocar minhas coisas de camping, bushcraft e alimentos tb! abraço

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  4. Fantástico post Batata...Muito rica e inspiradora essa história de seus "nonos".Também sou do interior e percebo que a história que compartilhou infelizmente para muitos está na memória, devido aos jovens estarem cada vez mais, escravos desse conforto tecnológico que você citou.

    Um Fraterno Abraço
    Do Amigo Viny

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