sexta-feira, 1 de março de 2013

A viúva e os pombos.



Era uma pacata cidadezinha próxima a Paris. Poucas ruas e pouca gente na área urbana, já que sua economia era plenamente rural.
Em uma destas ruas morava uma doce senhora, viúva, criou sozinha 3 filhos.
Todas as manhãs esta senhora tinha o hábito de bater a toalha de mesa pela grande janela da sala de jantar, o pavimento de pedra recebia uma nuvem de migalhas de pão e outros restos alimentares de sua mesa do desjejum matinal. Uma horda de aves se apresentava para a limpeza e a boa senhora se acomodava na janela, assistindo deslumbrada a comilança dos pombos.





E onde há pombos há problemas. Logo os vizinhos começaram a reclamar, eram alvo de cagadas certeiras em suas roupas limpas, batentes de janela, calhas, tudo emporcalhado pelos ratos de asas.

Um comerciante local acionou o prefeito e uma comitiva bateu na porta da viúva. A mulher foi intimada a abandonar a prática. E assim o fez, ou quase.



Passado algum tempo, o comerciante reparou que mesmo a viúva não estando mais alimentando as aves elas ainda continuavam por lá e ordenou ao seu empregado que, assim que chegasse ao trabalho disparasse um velho mosquete inglês que ficava sobre a porta de sua quitanda. E assim foi, quando o tiro foi dado as aves evaporavam de medo.



Muitas manhãs e tiros depois, Paris foi sitiada por inimigos, algumas cidades próximas e pequenas vilas foram devastadas, e mesmo lá na pacata cidadinha a rotina mudou. Patrulhas inimigas marchavam indo e vindo por todo o dia, as pessoas trancavam-se em casa com medo e a comida começou a faltar por conta das linhas de abastecimento interrompidas. Farinha, pão e uma sopa pior que lavagem era jogada aos sobreviventes.



Havia fome. A certa altura crianças e adultos vasculhavam bueiros e pilhas de lixo em busca de ratos e restos. Os que não abraçavam a causa inimiga tinham suas rações boicotadas, e os que colaboravam eram pilhados pela resistência francesa. Farinha era misturada com cal e os envenenamentos eram constantes.

No auge da crise, muitos camponeses juravam sentir o cheiro de um suculento assado, regado na gordura e salpicado com ervas frescas em pleno o fedor de podridão, morte e pólvora. Maldito seja o vento. Maldito seja o inimigo que se refastela enquanto morremos de fome.



As patrulhas da força de ocupação também xingavam e amaldiçoavam os malditos rebeldes franceses. Como conseguiam tais iguarias? Os comandantes não se conformavam que o cerco não estava surtindo o efeito desejado, mas não era uma boa ideia zanzar pelas ruas escuras a noite: _ "que se afoguem!" praguejavam.

Quando a crise estava no seu fim, o comerciante não tinha mais sua quitanda e seus bens eram um monte de escombros queimados. Havia a promessa de paz e uma nova ordem estava surgindo. Logo no inicio da manhã tomou um baita susto enquanto caminhava bisonho, um bando de pombos alçava voo alvoroçado dos fundos da casa da viúva.

Desconcertado cambaleou até a porta e bateu.
E lá estava ela, faces coradas e não parecia ter emagrecido quase nada, o cheiro de assado com ervas o golpeou em cheio, o mesmo de suas depressivas lembranças.



A viúva contou que, proibida por eles de alimentar as aves na rua ela começou a fazer isso nos fundos de casa, numa discreta varanda afinal os bichinhos também tinham fome durante a guerra. Também agradeceu muito aos tiros dados pelo empregado do comerciante, pois os pombos aprenderam a fugir sempre na mesma hora, pouco antes do disparo, impedindo assim que fossem avistados pelos inimigos na cidade e pelos guerrilheiros da resistência.

Quanto tempo iriam durar as pombos se ela continuasse alimentando-os na rua? Pois é, uma grande lição sobre ser discreto em suas preparações.
E se a viúva tivesse obedecido o prefeito? A sociedade vai tentar taxa-lo de excêntrico, louco, se impor ás suas preparações e método de vida, você terá suas práticas ridicularizadas e uma centena de pessoas incomodadas por você não andar na linha do sistema e da atual filosofia do politicamente correto, mas se curvar a vontades interesseiras, modas e modismos pode custar caro no futuro.
A sobrevivência é feia, bruta e não segue regras. Uma preparação, por mais simples que seja pode ser um diferencial incrível na hora H, um pouco de comida garantida, uma fonte de agua segura, uma arma simples e eficiente para ter alguma chance de defesa e o básico para sarar seus ferimentos, com isso suas chances de sobreviver aumentam drasticamente no caso de um distúrbio de média a grande proporção.



 Quantas outras lições podemos tirar desta história? Aguardo os comentários de vocês.

Batata.



2 comentários:

  1. PQP Batata! Que post lindo!!! Eu ia escrever sobre isso por esses dias, mas vou remeter ao seu blog.

    E tem uma coisa, meu amigo, que não estou gostando: você está tão ocupado que não tem 5min para responder nossos comentários?

    Um abraço fraterno, sempre alertas!

    V.

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  2. Que história tocante. Eu não conhecia e me emocionei... É uma lição de vida. Agradeço pela lucidez da postagem.

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